A minha experiência na Quinta do Vale da Lama
A minha
experiência na Quinta do Vale da Lama dava um livro.
2015 foi o ano
mais rápido da minha vida até ao momento! Grandes cortes umbilicais
aconteceram, desde o falecimento da minha mãe à desvinculação de
uma IPSS onde trabalhei durante quase 10 anos e que era a minha
segunda casa. Foi o momento oportuno para dar início à manifestação
de um novo paradigma, mudança que já vinha a acontecer
interiormente há alguns anos…
E dei início a
esta nova fase num local maravilhoso e extremamente seguro para a
minha primeira experiência de vida em comunidade. No Vale da Lama,
estamos em família.
A Quinta do Vale da Lama
é uma quinta de cerca de 42 hectares, que tem o objetivo de
proporcionar experiências transformadoras às pessoas que por lá
passam, num contexto de regeneração da terra. O projeto Vale da
Lama que é hoje nasceu a partir do Projeto Novas Descobertas, cujo
objetivo base é a inclusão/integração social . E é a partir
desta visão que tudo o resto foi crescendo e materializando, sob
formas diversas.
As portas do Vale
da Lama são abertas aos visitantes de diversas formas: dias abertos
à comunidade com workshops; concertos e noites de pizza;
cursos e eventos; seminários; campos de férias; retiros e
bed&breakfast; programas de voluntariado para vizinhos e
programas de voluntariado residenciais na comunidade.
Eco-Resort |
A minha contribuição para este projeto foi alocada ao círculo do Eco-Resort, onde promovemos experiências transformadoras através dos dias abertos, eventos e turismo responsável. A minha função foi de booking/hosting de retiros e bed&breakfast. Mas, tentando explicar melhor o conceito, este não é um Eco-Resort qualquer. Está inserido num projeto e missão muito maior e foi aberto como um negócio social, para proporcionar complementaridade e suporte às restantes valências: Regeneração do solo da quinta, do projeto educativo Novas Descobertas e da Comunidade residente. Os princípios da permacultura são transversais a todo o projeto. E era toda esta complexidade e integração dos conceitos que eu procurava. O “meu mundo” sempre foi o mundo social, mas vejo o turismo como uma excelente porta de entrada de troca e partilha de ideais para um mundo mais sustentável em todas as suas dimensões. E, para mim, só faz sentido ver o turismo por esta perspetiva. Após ter tirado o Curso de Design em Permacultura (PDC) e uma pós-graduação em gestão do turismo e hotelaria, queria ter uma experiência que me proporcionasse esse crescimento e partilha, sempre com esta visão holística e transformadora do mundo. Mas também queria ter uma experiência que me permitisse crescer como pessoa no seu todo, de me conhecer melhor, de me pôr à prova, de estabelecer relações, de me permitir descobrir outros paradigmas e de os vivenciar. Viver os princípios da Permacultura por dentro e por fora é um desafio constante nesta quinta, seja na aplicação do conceito à regeneração do solo e produção de comida, à utilização de energias limpas, aos sistemas de captação e retenção de água, à bioconstrução, à vivência comunitária, ou até mesmo à resolução de um problema pessoal.
A sensação que
tive durante a minha estadia no projeto foi de que aquilo que tenta
transmitir para o mundo exterior é exatamente o que tenta
transformar começando por dentro. A transformação que se sente
fora muitas vezes é apenas a transpiração do que se passa dentro
do Vale da Lama. Muitas vezes senti, no Eco-resort, que aquilo que
foi mais significativo para os clientes/visitantes foi a partilha da
nossa filosofia. Foi integrar as pessoas nas nossas rotinas, foi
abrir-lhes as portas para perguntas, foi simplesmente mostrar o que
somos e fazemos e para onde queremos ir. A maior parte das vezes, era
só permitir que o Vale da Lama respirasse e que o seu coração
batesse, para que quem chegasse perto o sentisse sem ser preciso
falar ou utilizar grandes termos técnicos para o que aqui se faz. O
que aqui se vive transpira para o mundo sem grande esforço. O Vale
da Lama é tão especial, que parece manifestar o melhor de nós.
Neste contexto,
foi possível desenvolver-me como pessoa e profissional de uma forma
extraordinariamente completa e transformadora.
A fazer pão caseiro |
Voluntários e colaboradores têm um horário de trabalho no setor/círculo em que colaboram. Fora desse tempo, têm acesso a uma panóplia de atividades de aprendizagem que acontecem na quinta, permitindo o crescimento noutros temas que tenham interesse. Além disso, têm total acesso às instalações, desde a utilização da piscina, biblioteca, internet, etc. Mas, se preferirem, podem simplesmente pegar numa bicicleta e ir até à praia usufruir do seu tempo livre.
Paralelamente à minha atividade principal no projeto, outras áreas de interesse e aprendizagem foram surgindo ao longo da experiência, nomeadamente nos sistemas de governança organizacionais utilizados por esta Organização. Como psicóloga organizacional de formação de base, sempre me interessou muito perceber o que realmente faz as pessoas sentirem-se motivadas e produtivas. Tenho muita pena que a grande parte de nós se sinta preso a um trabalho apenas porque precisa de pagar contas no final do mês. E, por isso, tento perceber como tornar o trabalho em algo desafiante, motivador e que sobretudo traga crescimento, bem-estar e autorrealização aos indivíduos. E vejo o Vale da Lama a ter uma proposta para isto: tem estado a implementar a Holocracia nos círculos da Quinta, Eco-resort e Projeto “Novas Descobertas” e a Sociocracia no âmbito da Comunidade residente. Basicamente, abrem portas a um novo paradigma de gestão organizacional, mais descentralizado e empoderador dos seus recursos humanos. Aqui fomenta-se o envolvimento e autonomia do staff, mas também o seu desenvolvimento como seres humanos com vocações, competências, gostos distintos, como seres holísticos que têm um percurso de desenvolvimento pessoal e profissional que importa cuidar. É um modelo extremamente desafiante, utópico para muitos, mas que tem um fundamento base, para mim essencial.
Organigrama da Quinta do Vale da Lama |
Foi muito
interessante ver como um sistema destes pode realmente funcionar e é
gratificante ver a coragem dos fundadores, que apostam muito na
capacitação da sua própria equipa no caminho da autogestão. É
preciso ter uma grande coragem e confiança para empoderar uma
equipa, uma comunidade de residentes que ganha a sua própria força,
autonomia, expressão, forma e que tende a tornar-se ela própria num
organismo vivo, fora do controlo de qualquer hierarquia forçada. E
também é disto que se trata quando nos referimos ao sonho do Vale
da Lama.
Termino esta
experiência com uma maior clareza e certeza de que quero aprender
mais sobre estes sistemas e reproduzi-los.
Outro ponto alto da minha experiência foi a alimentação. Parte do que é consumido é proveniente do trabalho na quinta, mas ainda é necessário comprar muitos produtos fora. Produtos maioritariamente biológicos e, sempre que possível, de produtores locais. É um privilégio aceder a todos estes alimentos, amados e cuidados por todos, e sentirmo-nos parte disso. Respeitamos e somos respeitados pela terra, que nos faz todos os dias a sua dádiva.
Noite de pizzas |
Os eventos e noites de pizza em que participei também foram grandes momentos de realização pessoal e de grupo, onde pude sentir a alegria contagiante no trabalho, abrir as portas da Casa do Vale da Lama, acolher caras novas, divertir-me e sentir a união da equipa. A humildade e o espírito de serviço, aliados à vivência em comunidade, resultam num excelente trabalho de equipa, onde naturalmente as coisas fluem. Numa das noites de pizza, alguém chegou a dizer-nos que estávamos tão sincronizados e alegres, que parecia que estávamos numa dança. E eu diria que sim. Era a dança do amor, que é aquela que melhor se faz no Vale da Lama…
Aula de Yoga para a Comunidade Residente |
Outra área que desenvolvi foi a da espiritualidade. O local convida, as pessoas que nos chegam convidam e a possibilidade que tive de participar em pequenos eventos e workshops permitiram-me chegar um pouquinho mais fundo dentro de mim e, até, descobrir novas vocações e interesses nesta área.
Outro grande desafio sentido, e que me tem acompanhado desde sempre, foi o tema da sustentabilidade. A palavra que tanto está na moda, mas que representa coisas tão distintas de pessoa para pessoa e de organização para organização.
O mundo das organizações sociais sempre foi do meu interesse. Sempre quis estar envolvida e fazer a diferença através desse mundo, por isso fui fazendo imenso trabalho voluntário em diferentes organizações, embora a minha atividade profissional a tempo inteiro já fosse numa organização social.
O tema da
sustentabilidade foca diversas dimensões. Uma que sempre me desperta
interesse é perceber como se (sobre)vive financeiramente neste mundo
social. A maior parte das vezes, com financiamentos do Estado e
doações de particulares. Mas poderá um projeto social pagar as
suas próprias operações? Como é que pagamos as nossas contas ao
final do mês com um projeto que tem uma estrutura que não é
voltada única e exclusivamente para o lucro? Com um projeto que tem
uma visão de utilizar o excedente para crescer e produzir mais valor
para o mundo, em detrimento de gerar riqueza financeira?
Todas as
organizações, tenham ou não o lucro como objetivo principal, têm
a responsabilidade e dever da sobrevivência, para perpetuarem no
tempo e assim continuarem a gerar valor. As organizações sociais
não fogem a esta regra.
E após alguns
anos a assistir e a viver algumas realidades na área social, percebo
que é possível, sim, criar negócios sociais que respondam a estas
questões. Uma Organização sem fins lucrativos não está
necessariamente condenada à inviabilidade financeira ou à
dependência de terceiros para existir. Mas, logo de seguida, surgem
outros desafios mais de ordem prática, mas muito interna de cada
indivíduo. Para termos excedente a ser reinvestido no projeto, há
que saber viver e posicionar-se no mundo dos mercados, mas também é
importante não perder as rédeas da situação e deixar-se levar por
isso, pondo em causa o sonho que criou o projeto. Há que trabalhar
muito na manutenção do(s) sonho(s). E a lição que tenho tirado ao
longo dos últimos anos é que o equilíbrio desta gestão de forças
situa-se num ponto distinto em cada um de nós, e este desafio
acontece sempre que tentamos evoluir para um novo patamar. Parece-me
que a grande sabedoria está nesta gestão do equilíbrio.
Um projeto que
pretenda ser sustentável nas suas dimensões ecológica, social e
económica tem muito que se lhe diga… Cada dimensão é um mundo
infinito de aprendizagens, de boas práticas, de escolhas a fazer. E
certamente cada pessoa ou organização gere o que para si é crucial
em termos destes conceitos.
Continuo neste caminho fantástico de descoberta, com uma convicção ainda mais segura de que tudo é possível com um grande equilíbrio entre os valores que regem os nossos processos e o resultado que queremos ver no exterior. A sustentabilidade que queremos ver no mundo começa em nós e na forma como nos relacionamos connosco e com o que nos rodeia.
Resta-me agradecer por esta oportunidade de aprendizagem pessoal e profissional no Vale da Lama, que me levou a dar mais um passo na direção daquilo que quero para mim e para o mundo. Sinto-me imensamente grata por fazer parte deste grande sonho que une tanta gente em prol da sua materialização.
Um bem-haja aos
fundadores, criadores deste sonho, e a toda a equipa que tem vindo a
materializá-lo e a coconstruí-lo no terreno.
Hoje sinto-me um
ser em aprendizagem, mas muito mais rico, completo, realizado e em
grande transformação.
Para saber mais informação sobre este projeto, por favor consultar:
Quinta do Vale da Lama
Projeto Novas Descobertas
Vale da Lama Eco-Resort
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