DIA 6 - Sinto-me ridícula...
Hoje não pude esperar pela noite para escrever o que sinto.
Aqui a vida pára e olho para mim e para Portugal e tenho
vergonha… Tenho vergonha das preocupações estúpidas q muitas vezes tenho.
Sinto-me ridícula… Há aqui pessoas que não têm nada: nem o que comer, nem
dinheiro, nem saúde. Não têm nada…
De manhã fomos à Missa na Cidade das Neves. É uma pequena
Igreja mesmo em frente ao mar. Ouvem-se as palavras do Padre misturadas com as
ondas do mar. Durante essa hora alguns assuntos de Portugal passaram a fazer
sentido na minha cabeça e fiquei mais em paz.
Depois vim para a Missão e hoje de manhã estive na
Enfermaria a ajudar nos pensos. Há imensa gente com feridas. Feridas a valer…
Houve uma Sra que veio mudar o penso de uma operação que fez impressionante!
Ela fez já duas operações, porque teve uma ou duas cesarianas que deram
problemas e agora teve que tirar o intestino. Tem uma grande cicatriz na
barriga e um pedaço do intestino de fora. As Irmãs põem-lhe uma luva à volta
desse pedaço de intestino que está cá fora para ela fazer as necessidades lá
para dentro. Porque cá não há sacos próprios para esse efeito… Depois ela tem
que ir mudando a luva, quando está cheia. A Irmã esteve a desinfectar aquilo e
a senhora estava quase a chorar, com dores. Foi realmente impressionante! Naquele
momento só consegui pensar naquilo e as preocupações com a minha vida, comigo,
ou com Portugal deixaram de existir.
É miséria absoluta. Eles nem conseguem tratar-se, porque é
tudo a (des)ajudar: a água está contaminada e a
falta de vitaminas, segundo uma das Irmãs, provoca-lhes imensas doenças e feridas que
estão sempre a abrir. Eu cá também acho que é possível que algumas destas pessoas
que têm estas feridas tenham HIV e é por isso que as feridas aparecem e não cicatrizam… Mas eles
portam-se à altura! Nenhum chorou. Se fosse eu seria uma vergonha… Nós vivemos
num mundo de contrastes e não é justo… Não é justo que existam pessoas que
tenham direito à educação e à saúde e que outras não tenham esse direito. Todos devíamos ter
direito ao essencial. Todos…
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